vazamento de petróleo descolonizando a ciência

2012/09/03

Os impactos invisíveis

Filed under: artigos — Tags: , — seringueira @ 23:09

Para ninguém hoje é um segredo a mudança climática. Quando as águas invadem e levam os carros do primeiro mundo, quando a seca assola a África, quando o Katrina arrasa Nova Orleans e os glaciares desaparecem, reconhece-se que o consumo dos combustíveis fósseis tem impactos…

Mas quem fala dos impactos de sua produção? Quem fala do pacto de silêncio contra centenas e milhares de comunidades em toda parte do mundo aonde a extração do óleo cru está associada às mais graves violações dos direitos humanos? A mudança climática é evidência, mas falta ainda ver a parte escondida deste iceberg que ninguém ajuda a olhar.

As empresas petroleiras no Equador recebem latifúndios de 200 000 hectares na Amazônia para extrair o óleo cru do subsolo, na verdade as empresas se apoderanm deles e de sua superfície. A entrada em territórios indígenas a expoliar seus recursos tem sido uma constante na história da indústria petroleira neste país.

As quadrilhas de trabalhadores que realizavam a sísmica no solo deflorestaram enormes hectares de terras, aonde a linha reta se enfrentava com a sinuosidade dos rios, a textura vegetal ou a limpeza do som. As quadrilhas detonadoras romperam o silêncio, meteram o medo nos animais que passavam e mudaram os ensinamentos do ayahuasca pela maldade do trago. As comunidades indígenas, esquecidas pelos estados, foram confrontadas pelas petroleiras em rituais de violência que a história tem escondido. Dezenas de mulheres indígenas foram violadas, por quadrilhas de 5, de 10 ou de 50. Sem escrúpulos e sem castigo, depois de golpear aos maridos e intoxicá-los com álcool, os petroleiros enfrentaram à sua maneira o novo ‘encontro’ de culturas.

Ao estilo da neocolonização abriram-se os caminhos ao anunciado progresso que alçou o petróleo aos altares da pátria nas academias militares e que foi justificado em nome de toda a nação, enquanto nos quadriculados neolatifúndios os tratores arrancavam 80% da vegetação para que a fronteira agrícola assentasse campesinos e expulsasse culturas milenárias, enquanto espremia a força de trabalho de quem não tinha nada mais que perder do que a vida que tampouco apreciava-se muito. Os caminhos abertos seguem sendo controlados pelas empresas com suas forças armadas para-militares (ex-militares quase sempre) que controlam espaços, trânsitos, identidades e intenções, que obrigam a consumir a morte que flutua nos rios, que rompem as cercas campesinas quando a técnica diz aonde se deve perfurar e que reduz a nada a sacrosanta base da civilização ocidental, a propriedade, que quando não pertence à uma corporação não tem o mesmo direito que sustenta a uma comunidade.

Os poços em perfuração, como o dedo na garganta, vomitam seu asco em piscinas que não se comportam. Milhares de toneladas de dejetos tóxicos, de 3 000-8 000 barris por poço, e com mais de 1 500 poços perfurados foram eliminados em piscinas que não podiam conter seu asco e se rompia até os intocados rios da região. Hoje, a tecnologia de ponta para áreas protegidas promove que sejam enterrados nas mesmas plataformas dos poços, tapados e sem isolá-los com areia e pedras que drenam dos antes espelhosos rios. Urânio, radón, rádio, em quantidades desconhecidas… metais pesados de toxicidade certa, lodos gastados de esquecimento e desprezo, a 50 metros das casas dos campesinos que viven morrendo sem desconfiar do risco. Quando o óleo cru flui sangrante por essas veias de metal, tem que ser filtrado em espessas estações que como fígados limpam de químicos indesejáveis e o resultado são gases asquerosos queimados ao sair e urinas salgadas, quentes e amarelentas, de continência impossível. Gases de metano que desde o início afetam o efeito estufa, azufrosas pestilências que, no ambiente úmido da Amazônia, transformam-se em ácido sulfúrico que, sem permissão também, entram nos pulmões, começam a destruí-los e regam a terra de ácido, para que nada floresça, para marcar territórios ‘como animais’ que com seus afluxos ameaçam e advertem; mas nestes gases o nível de perigo está milhares de vezes por dentro, abaixo, antes de ser apreciado, deixam seu rastro a mais de 25 km, enquanto a população antes cúmplice e hoje desavisada vive a 50 metros.

As urinas putrefatas, carregadas de arsênico e mais salgadas do que o mar morto, vai chegando cada vez mais longe nos rios cada vez mais mortos. Esses mesmos rios, que pouco a pouco acolhem a morte, acabam por acolher também o lamento, porque o protesto campesino acaba sendo negado com a ameaça dos fuzis militares. Não vale o protesto airado, somente a indigna humilhação de seguir tomando essa água, e cozinhando, sabendo que com cada copo a morte também vai se fazendo mais presente, tão presente a 50 metros que em 57% dos casos de câncer detectados estão a esta distância.

Ninguém fala dessas hemorragias desatadas, fruto de ateromatosas veias de metal submetidas à hiperprodução, que revientam ao primeiro “estornudo”, e sim do que se acusa aos campesinos. Ninguém persegue aqueles que por “robarse los tubos”, debaixo dos narizes dos militares, derramando seu sangue. Ninguém fala dos enormes contratos que empresas com nomes e sobrenomes obtêm por limpar os derrames que elas mesmas provocam, mas que acusam ao campesino. Ninguém fala das crianças mortas ao nascer porque seu primeiro hálito esteve carregado da peste do óleo cru derramado. Não, os mortos em nome do desenvolvimento permanecem enterrados sem placas. No Equador as máquinas não pararam quando na construção da hidroelétrica Paute o cimento engulia aos trabalhadores. Em Sucumbíos e Orellana, os mortos do petróleo são sepultados no esquecimento, mas são mais de 500, muitos mais que todos os mortos das últimas guerras no país; quando os mortos caem sempre do mesmo lado, não se chama guerra, se chama genocídio.

Acción Ecológica

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