vazamento de petróleo descolonizando a ciência

2012/09/03

O petróleo e a gênese da civilização capitalista

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Neste artigo gostaríamos de recordar alguns fatos da história do petróleo, para compreender a incidência deste na constituição da civilização capitalista moderna. Se trata de um processo histórico que o colocou no coração da sociedade humana, quando o mesmo converteu-se no núcleo da produção e consumo do século XX, e agora, quando define a encruzilhada histórica do mundo globalizado do século XXI.

Antes da utilização moderna e capitalista do petróleo houveram diversos usos humanos: os gregos durante as guerras médicas criaram uma espécie de lança-chamas para incendiar os barcos dos persas, dando-lhe um uso similar ao que o exército “hitita” havia feito em terra anos antes. Nessa mesma época, no Oriente Médio, os sumidouros de petróleo eram lugares de rituais para diversas populações. Em nosso continente americano, ele esteve presente em muitas culturas; por exemplo no que hoje é o Equador, serviu para a elaboração de vasilhas e para impermeabilizar as canoas na península de Santa helena. Na América do Norte, várias populações indígenas lhes davam um uso medicinal.

Sem dúvida, o petróleo adquiriu um caráter tecnológico central somente com a sociedade urbana moderna, que começou a ter necessidades motrizes e de iluminação muito maiores do que qualquer outra sociedade, as quais ao largo da segunda metade do século XIX o petróleo vai respondendo com eficiência. O motor de combustão, já próprio da revolução industrial, requeria um combustível que fosse barato e ligeiro. O petróleo cumpriu essa necessidade que não era somente da produção na fábrica mas indispensável também para todo o transporte de objetos e pessoas que tecnicamente revolucionava-se com muita intensidade, desde a aparição do trem e logo com os inventos-chave como o automóvel, o avião e “cohetes”.

O uso do petróleo e o desenvolvimento da petroquímica estiveram durante as primeiras três décadas do século xx ligados sobretudo à insdústria automobilística, marinha e aeronáutica. O desenvolvimento da indústria automotriz foi um processo que fundamentalmente pertenceu aos Estados Unidos junto à indústria petroleira. A articulação destes dois ramos da indústria vão esboçando pela primeira vez o que é indentificável como um padrão petroleiro de produção e consumo. É muito importante assinalar que este foi conduzido desde sua origem por capital privado estadunidense, que logo marcará a pauta do avanço desenfreado da civilização capitalista.

O sistema tecnocientífico desta civilização teve uma espécie de segunda revolução industrial impulsionada pelas guerras mundiais, reacomodações geopolíticas desse mesmo sistema. As guerras são as que vão tornando o petróleo o elemento nuclear da civilização que agora é introduzido pouco a pouco em diversos pontos da nova estrutura produtiva.

À época da primeira guerra mundial foi necessário como combustível para um transporte mais rápido com fins bélicos. Como material, começou a adquitir importância com a produção do “negro humo” para a borracha e posteriormente para fazer a borracha sintética que substituiria a borracha natural, proveniente das serigueiras.

Isto iniciou um desenvolvimento tecnológico que se pontencializaria fortemente na segunda metade da década de 1930, quando inicia a segunda grande fase desta história com o descobrimento do plástico de origem petroquímica. A segunda guerra mundial foi a preparação da globalização petroleira. Nela indústrias químicas descobrem, e os exércitos implementam, uma série de produtos como explosivos e armas que requerem petróleo em sua elaboração, mas também materiais como os plásticos e as fibras sintéticas que rapidamente se empregam de modo massivo, como o nylon, o pvc e o polietileno. Se generaliza o uso de tubos, mangueiras, discos, revestimentos para solos, lâminas e construção de aparatos e instalações de caráter sintético por sua resistência à produtos químicos; por outra lado, cada vez mais o plástico vai constituindo-se desde utensílios domésticos e roupa até acessórios militares, como os pára-quedas.

Ao finalizar a Segunda Guerra Mundial chega o momento de reconstruir com petróleo um mundo que havia sido devastado, pois a indústria estadunidense foi menos afetada pela guerra que as européias e a soviética, e conseguiu reciclar sua indústria militar em uma caminhada ao consumo. Assim, os plásticos e o parque automotriz se expandem de maneira vertiginosa pelo mercado mundial e a crescente vida urbana, potencializando sua hegemonia.

O auge econômico dos Estados Unidos logo depois da guerra permitiu que se consolidasse seu domínio do mercado mundial, que estava sustentado materialmente no padrão petroleiro da indústria, e em um modo de vida baseado nela. O uso do automóvel, principal produto consumidor de petróleo, os eletrodomésticos, a roupa de nylon ou os objetos de plástico vão configurando o consumo, que conforma o conteúdo da reprodução social que se realiza com o American way of life. Todo o mundo da riqueza material e ideológica tendeu a seguir o modelo estadunidense, e com isso, colocar o petróleo em um lugar central.

As tecnologias que se desenvolviam começaram a expandir o petróleo para outros ramos de produção, como o da agricultura massiva, cuja revolução verde —em verdade uma reciclagem tecnológica da industria bélica da Segunda Guerra Mundial— colocou o petróleo como sua principal matéria prima, praticamente usado em todos os níveis da nova agro-indústria, desde o combustível das máquinas até os componentes sintéticos dos novos pesticidas e adubos.

A União Soviética, e os países aonde existia uma disputa de controle, nunca conseguiram fazer com que a sua população tivesse um consumo de produtos derivados do petróleo tão massivo como a dos Estados Unidos, mesmo o petróleo também sendo fundamental para suas economias. A hegemonia dos Estados Unidos, e dos países desenvolvidos que depois da guerra imitam a sua indústria petroleira, geram no terceiro mundo um tipo de sociedade, que pouco a pouco clama por maiores benefícios desta riqueza.

Estes países produtores de petróleo na década de 70, agredidos múltiplas vezes, aproveitam do esgotamento petrolífero que ocorre nos Estados Unidos para abastecer o mundo material que haviam criado e reduzem a sua produção de petróleo, e assim, dão um passo para que se agudize uma série de nacionalizações da indústria petroleira que já haviam iniciado décadas atrás mas que iam a um passo mais lento. Já não é a época em que é possível relacionar petróleo e progresso. Nos mesmos países produtores de petróleo a dependênccia deste material para obter lucros trouxe consigo severas crises durante a década de 80 pelo endividamento externo. Assim, a partir dos anos 70 a crise que vive o meio-ambiente por culpa da queima do petróleo já é impossível de ocultar e, sem reparar nisso, a indústria petroleira segue seu avanço global. Neste período tem força a microeletrônica e expande-se o uso dos computadores, cuja tecnologia é inconcebível sem os plásticos. Os objetos do petróleo prosseguem aumentando de modo vertiginoso em uma sociedade cada vez mais petrolizada.

O petróleo torna-se um vício constitutivo da sociedade capitalista, vício que tem causado guerras, crises, aquecimento global e danos à saúde (como o câncer pela adição de ingredientes sintéticos nos alimentos, por exemplo).

Pelos problemas que implica o petróleo, diversas alternativas tecnológicas têm sido tentadas, mas estas não conseguem freiar o poder hegemônico do padrão petroleiro. A dependência que tem a indústria automotriz que prossegue crescendo ano a ano, a exigência de energia para as fábricas do mundo, e o constante desenvolvimento de materiais plásticos prosseguem impondo o petróleo.

Além do que, as energias alternativas estão controladas pelos mesmos petroleiros capitalistas que não têm um interesse real em que estas tornem-se efetivas globalmente, enquanto não se esgotem as reservas petroleiras do planeta. O petróleo, por sua capacidade energética, tem beneficiado os processos produtivos, a quantidade de intercâmbio de força de trabalho e produtos que permitiu enquanto combustível, e o tipo de consumo que se gerou com ele, constituindo o nosso mundo contemporâneo. A ‘civilização material’ do capitalismo, da qual falava Braudel, teve sua continuação desde a segunda metade do século XIX até agora, no desenvolvimento da civilização petroleira. Neste período, foi-se gerando o corpo global da sociedade capitalista, que teve uma gênese no petróleo, sua energia vital —ao converter-se no principal combustível— e logo no século XX constituiu materialmente esse mesmo corpo social —ao converter-se como material sintético em elemento decisivo da produção e consumo da modernidade estadunidense.

A história do petróleo se une à gênesis da civilização humana mais complexa que se tem conhecimento, e que integrou à toda sua urbe a sua lógica, colocando nela seu selo petroleiro. Atualmente, este hidrocarboneto ainda define o metabolismo técnico e geopolítico de nosso corpo social e segue com ele colocando em questão nossa sobrevivência no planeta. Agora se faz evidente a enfermedade crônica do corpo social global por causa de sua dependência ao petróleo, devemos perguntar-nos se queremos que siga a cega dinâmica de nossa sociedade que nos conduziu a esta situação, onde a acumulação privada de capital e seus representantes, os países hegemônicos e as grandes empresas, ditam nosso destino como humanidade.

Omar Bonilla e Pavel Veraza

(conservar o cru no subsolo.pdf / oilwatch, equador)

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